sexta-feira, 27 de maio de 2011

Crônica Nerd #4: A Maior Batalha de Todos os Tempos - Parte 4/4


[Leia a Parte 3]

 Os dias pareciam se estender no esconderijo subterrâneo. Cada dia era vivido de maneira a não se perceber se havia passado apenas um dia ou uma semana inteira. Cada momento era em busca de novas informações, de um lugar onde houvesse vida, de sons de sobrevivência.


 A luz havia sido cortada muito tempo atrás, o que tornou impossível a utilização do Raio Temporal. De qualquer maneira, o professor não havia acreditado na história que os amigos lhe haviam contado, e passou a agir de maneira cautelosa com eles desde então.

 Não poderia-se dizer que ninguém estava se divertindo, no entanto. A cada vez que era necessário buscar mantimentos, Pablo olhava em volta, procurando por algum infectado. Os outros diziam para ele se concentrar, já que aquilo era a realidade, e não um simples jogo, mas eles não podiam culpa-lo: sentiam a mesma necessidade de fugir da realidade.

 As armas que ganharam em suas viagens no tempo se mostraram extremamente úteis contra os infectados. Marcele usava sua katana sempre que precisava se defender ou quando haviam grupos grandes espalhados pelos supermercados, onde eles buscavam comida. Túlio usava suas flechas quando havia apenas um ou poucos infectados de tocaia, de modo a atingi-los antes da aproximação, e sempre tentava recuperar as flechas usadas. Pablo, no entanto, era o mais cauteloso com sua espingarda, pois sabia que sua munição era extremamente limitada, e a utilizou apenas uma vez até aquele dia, numa ocasião em que um grupo grande de infectados o havia cercado. Ninguém jamais esquecerá o cheiro que ele ficou emitindo por dias.

 Já a pistola de cano longo do professor Eduardo "Snape" Pereira era constantemente utilizada, e constantemente reabastecida. Ele contou aos antigos alunos que, antes da infecção, ele já possuía a arma, além de um estoque gigantesco de munição para ela.

 Nenhum deles estava preparado para o que aconteceria naquele dia.

 Era um dia como outro qualquer. Impossível dizer com exatidão que dia era, embora o professor estimasse que fosse uma segunda-feira. Enquanto os três amigos saíram para procurar mantimentos, ele ficou no esconderijo preparando o almoço (ninguém jamais descobrirá todas as utilidades de um professor de física). O dia estava nublado, mas não frio. Túlio deu uma rápida olhada para o céu quando saíram, a fim de verificar as chances de uma chuva cair. Mal sabia ele que a chuva seria o menor de seus problemas naquele dia.

 Chegaram em um antigo supermercado do bairro conversando alegremente. Pablo decidira que os amigos estavam muito tensos e começou uma conversa bizarra sobre os games de zumbis que ele já havia jogado. Quando chegaram ao supermercado, Túlio lembrou a ele que eles não estavam lidando com zumbis, ou pelo menos não os zumbis dos games, e os amigos ficaram quietos.

 "Posso levar algumas batatas?" perguntou Pablo, animado, quando entraram no mercado.

 "Acho que sim" respondeu Túlio. "Batatas são ótimas fontes de fósforo e, apesar de serem ricas em carboidratos, não possuem muitas gorduras, além de possuirem uma baixa quantidade de calorias e..."

 "Você sabe que eu estava falando destas batatas, certo?" disse Pablo, sacudindo um pacote de batatas onduladas para Túlio.

 Neste momento ouviu-se um grito agudo de mulher. Olhando em volta, os amigos perceberam que Marcele não estava a vista, e correram em sua procura, chamando seu nome.

 A encontraram sentada no chão, na seção de enlatados do supermercado. Várias latinhas estavam caídas no chão, ao lado da cabeça de um infectado. O corpo estava do outro lado do corpo de Marcele, que chorava, com a espada em uma das mãos, repousada no chão.

 "Ei! Está tudo bem. Você o matou" disse Pablo, correndo para tranquiliza-la. Mas, quando chegou perto dela, percebeu que não estava tudo bem. Um dos ombros da blusinha laranja de Marcele estava parcialmente rasgado, e ela estava sangrando a partir daquele ponto.

 "Ele me mordeu quando eu estava escolhendo o que levar" choramingou a garota. "Eu não o vi quando cheguei. Ele não estava aqui, com certeza, e me atacou enquanto eu estava virada. Parece que ele sabia o que eu ia fazer, e ficou esperando pelo momento certo".

 "Ei, está tudo bem agora, ok?" começou Túlio. "Nós vamos te levar de volta para o esconderijo e vamos fazer um curativo em você. Depois você vai descansar e tudo vai ficar bem".

 Mas Pablo não pensava desse jeito. Quando viu a mordida no ombro de Marcele, tudo ao seu redor pareceu desabar. Ajudou Túlio a levantar a garota do chão e observou enquanto ele passava um dos braços dela por sobre seu ombro, de modo a ajuda-la a caminhar, mas ele tinha certeza, em sua mente, que nada daquilo ia adiantar. Ele sabia que Marcele, naquele momento, tinha sido infectada.

 Chegaram ao esconderijo de Snape, que correu a buscar seu kit de primeiros socorros, com o qual fez uma atadura no ombro de Marcele. Depois, deixou-a deitar e voltou aos garotos.

 "Como vocês permitiram que isto acontecesse?" perguntou ele, enfurecido. "Querem saber? Não preciso de explicações. Sempre soube que vocês eram uns incompetentes".

 Houve um momento de silêncio, no qual os presentes pensavam no que dizer em seguida. Finalmente, Pablo decidiu perguntar.

 "Professor", começou ele, cautelosamente. "O senhor sabe o que acontece se uma pessoa imune é mordida?"

 "Não", respondeu ele. "Nunca aconteceu com ninguém que eu conhecesse, e nunca foi noticiado antes de a luz desaparecer. O único jeito de descobrirmos é deixar a garota descansar".

 E assim foi feito nos dias seguintes. Marcele foi sentindo-se melhor a cada dia, e até conseguia manejar a espada só com um braço, mas os rapazes insistiam que ela não saísse do esconderijo até estar completamente curada. Mas ela não se curou.

 Numa noite, Marcele acordou de um sonho estranho. Sonhou que estava sendo torturada por um palhaço do mal, que introduzia diversas facas logo abaixo de seu peito, uma a uma, apenas aumentando a dor que ela sentia. Quando acordou, no entanto, a dor não parou, o que a fez gritar.

 Os homens no esconderijo correram em seu socorro, imaginando o pior. Quando ela explicou o que havia acontecido, e onde era sua dor, houve um momento de silêncio, interrompido pelas palavras de Pablo:

 "No baço", disse ele, olhando para baixo. Os outros haviam reparado a mesma coisa, mesmo antes de Pablo se pronunciar. "Então é isso", continuou ele.

 "É isso?" repetiu Túlio, enquanto Marcele começava a chorar, lentamente.

 "Nós vamos para os Estados Unidos, buscar a cura" disse ele e, quando Túlio abriu a boca para dizer que ele era louco, ele o interrompeu, dizendo: "Já está decidido. Eu vou, pelo menos, e vou conseguir a cura, custe o que custar".

 No dia seguinte, eles foram até a casa de Túlio, carregando Marcele, onde pegaram o carro que Snape havia usado para voltar. Dando uma última olhada em seu Raio Temporal, e sentindo dor no coração por abandona-lo, Túlio entrou no carro, no banco do carona, deixando Pablo e Marcele no banco de trás. De lá, se dirigiram até o porto de Santos, onde não foi difícil encontrar um barco abandonado.

 "E o tanque está cheio", disse o professor, depois de uma rápido olhada no painel de controle do veículo. Enquanto dava a partida, um grupo de infectados que estava por lá saiu de encontro ao barco, mas foram surpreendidos por um tiro da espingarda de Pablo, que soltou um palavrão contra eles, depois de ver seus corpos explodindo com o impacto.

 Levaram alguns dias para chegar nos Estados Unidos, parando em locais estratégicos para se abastecerem de comida. Marcele cada vez sentia mais dor e, embora não quisesse, seus amigos a forçavam a comer. Ela sempre acabava regurgitando grande parte do ingerido, mas ainda se sentia agradecida pelo cuidado que os amigos tinham por ela.

 Quando, finalmente, estavam chegando às fronteiras americanas, no entanto, foram surpreendidos por uma imensidão de objetos flutuando nas ondas daquele local: dezenas, talvez centenas de barcos a deriva, encalhados nas pedras, cujos tripulantes exibiam apenas sinais de mortes violentas, com sangue seco a mostra e vidros quebrados por toda a parte.

 "Eu já sabia que não seria fácil entrar", disse o professor Snape. "Lembram-se quando eu disse que a maior parte dos que tentavam morriam na tentativa? Eu não estava falando de ataques de infectados, mas sim de soldados americanos, instruídos a matar quem tentasse atravessar as fronteiras".

 Diante de todos aqueles barcos, eles sabiam que não seria possível invadir os Estados Unidos. Todo o poderio militar americano estava, agora, esperando para ser apontado para eles, e não havia nada que eles pudessem fazer a respeito disso. Então, quando tudo parecia perdido, o professor Snape pulou para um outro barco, que passava próximo a eles.

 "Muito bem, eis o plano" ele disse, virando-se para os garotos. "A essa altura, vocês já devem ter aprendido o básico sobre pilotagem de barcos. Eu irei na frente neste outro barco, para chamar a atenção deles. Quando eles começarem a atirar em mim, vocês aproveitam a deixa e invadem".

 "Não!" começou Pablo, olhando, assustado, para o professor. "Você vai morrer se fizer isto".

 "Lembre-se, Fernandes", ele disse, olhando nos olhos de Pablo, e soltando uma risada maléfica. "Eu não sou e nem nunca serei tão incompetente quanto vocês". E, dizendo isso, deu a partida no outro barco. "E lembrem-se! Apenas quando escutarem os tiros!"

 "Espera!" gritou Pablo, indo em direção aos controles, mas Túlio o agarrou. "Tux, mas o que?" ele disse, virando-se para o amigo. Foi quando percebeu que ele estava chorando.

 "Não há mais nada que nós possamos fazer, a não ser seguir as instruções dele" disse Túlio. "Ele está se sacrificando por nós. Se nós formos atrás dele, ele terá se sacrificado por nada".

 Foi quando ouviram o som dos tiros. Agindo rapidamente, Pablo assumiu os controles e mandou o barco em direção ao território americano. Não foi fácil encontrar uma possível entrada, mas decidiram arriscar a entrada em uma espécie de canal. Em pouco tempo, eles já estavam em solo americano.

 "Você se lembra qual era o nome do laboratório onde eles estavam produzindo a cura?" perguntou Pablo, quando seguiam subindo cada vez mais o canal, que se transformara em um imenso lago.

 "Não muito bem. Mas acho que tinha algo a ver com uma reserva em uma tal 'Ilha Baruch' ou qualquer coisa do tipo".

 "Tem certeza que era isso?" disse Pablo, parando o barco.

 "Acho que sim. Por que?" perguntou Túlio, ao que o amigo apontou o dedo em uma direção, e ele pode ver.

 Em frente aos seus olhos havia uma grande indicação dizendo "Baruch-North Island Reserve Research Centre - Entrance Forbidden", que, em bom português, significava que eles tinham encontrado o laboratório do jeito mais simples que alguém poderia imaginar, mas que a entrada era proibida.

 Como a entrada no próprio país já era proibida, e como Marcele estava, agora, dormindo, e parado de gemer, os dois amigos decidiram pular a cerca que separava o lago da terra, com muito cuidado para não machucar Marcele, e invadir o lugar. Revezaram para levar a garota nas costas, até que chegaram ao suposto laboratório.

 O lugar era enorme em extensão, mas tinha apenas um andar e, por mais estranho que isso parecesse, não havia nenhum guarda ou mesmo nenhum vigia na entrada, permitindo que os amigos entrassem pela porta da frente.

 O lugar estava vazio, completamente deserto e com aparência de abandonado. Pablo aconselhou que Túlio tivesse cuidado, mas os dois amigos seguiram, procurando alguma informação que os ajudasse.

 Em diversas paredes do local estavam afixados cartazes com recomendações de uma tal "CEDA", que era a sigla para "Agência de Defesa e Emergência Civil", mas as recomendações eram coisas como lavar as mãos e usar máscaras, o que os fez ignora-las.

 Rondaram pelo prédio abandonado até que, finalmente, encontraram uma placa onde podia-se ler "Sala de Pesquisa - Projeto Cura". Em silêncio, Pablo acenou para Túlio e, cuidadosamente, abriu a porta. Mas o que encontraram lá dentro os fez querer sair.

 Espalhados pela sala estavam alguns corpos de pessoas vestindo jalecos, poucos, porém todos com muito sangue em volta. Haviam, também, estantes brancas espalhadas pelas paredes, mas todas estavam completamente vazias, com exceção de uma, onde havia uma maleta branca aberta e parcialmente tombada. À sua frente, havia o corpo de uma pessoa que, aparentemente, havia morrido tentando pegar a maleta. Pablo aproximou-se da maleta e quase deu um pulo de alegria quando descobriu o que tinha dentro.

 "Tux! Encontrei!" gritava ele, animado. "Aqui está escrito 'Projeto Cura', e tem algumas ampolas dentro da mala. Só pode ser isso!" disse ele, olhando para o amigo. Foi quando sentiu a espinha gelar.

 Haviam deixado a porta aberta. Por ela, entravam na sala, neste momento, mais infectados do que Pablo jamais havia visto, todos vestidos ou com jalecos ou com uniformes militares. Todos se moviam lentamente em direção aos três amigos. Todos exibiam olhares vidrados, como se estivessem passando fome há muitos dias.

 Pablo pegou sua espingarda, e Túlio fez o mesmo com seu arco. Repousando Marcele no chão, perto deles, começaram a atirar nos infectados. O nervosismo fez Túlio errar diversas flechas, e os infectados pareciam não acabar. Quando a sala já estava quase totalmente tomada por infectados, e a munição de ambos já tinha acabado, os sprinklers no teto da sala dispararam, molhando a todos os presentes.

 E, então, os infectados caíram, um a um, no chão.

 Pablo e Túlio ficaram ali, parados, olhando para os infectados caídos, sem saber o que pensar. Os sprinklers ainda estavam jorrando líquido quando uma mulher alta, de jaleco branco e óculos, com os cabelos castanhos presos em um coque no topo da cabeça, chegou à porta.

 "Senhora Silva?" disse Pablo.

 "Mãe?" disse Túlio.

 A mãe de Túlio piscou e, com os olhos marejados de lágrimas, correu pela sala, tentando não pisar nos corpos amontoados no chão, enquanto o filho fazia o mesmo e, quando finalmente se encontraram, os dois se abraçaram demoradamente. Pablo ainda achava que o abraço fazia Túlio parecer um nanico, já que ele era da mesma altura da mãe, e ela estava usando saltos, mas não pode deixar de reparar que a cena era mesmo emocionante.

 Então Túlio desatou a falar. Contou tudo, desde a invenção do Raio Temporal, até a chegada no laboratório, e não pode deixar de reparar que a mãe se assustou mais quando ele contou sobre a última vez que viram o professor do que quando contou sobre o ataque e infecção de Marcele.

 "Quando eu decidi procurar por vocês", ela disse, "eu não sabia onde procurar. O Eduardo me deixava esperançosa, mas esperança não era o que eu precisava. Eu precisava fazer alguma coisa. Então fui raptada por um grupo de contrabandistas de pessoas, uma atividade que cresceu depois da infecção, que queriam me levar para o México, para que eu fizesse parte de um grupo que invadiria os Estados Unidos. Bem, eles conseguiram, e eu realmente fiz parte daquele grupo, mas eles não esperavam que eu fosse conseguir fazer a travessia. Nem eu, na verdade. Mas quando cheguei no solo americano, tendo a cura a poucos quilômetros de distância, eu não pude pensar em outra coisa que não fosse ajudar em seu desenvolvimento e fabricação, de modo que eu pudesse ajudar as pessoas lá fora. Logo descobri que existem outros laboratórios espalhados pelo território americano que trabalham com o chamado 'Projeto Cura', além daquele anunciado pelo presidente Obama no pronunciamento oficial. Eu estive trabalhando em um laboratório instalado no estado da Califórnia, mas ontem pediram que eu fosse transferida a este aqui, o qual eles chamam de 'número 1'. Foi aí que descobri que o pessoal daqui tinha sido infectado. Fiquei um dia inteiro trancada na sala das máquinas quando tive a ideia de colocar a cura na caixa d'água e disparar o sistema de sprinklers. Pelo visto, deu certo".

 Mal ela terminou de falar e Marcele abriu os olhos. Olhou, confusa, de Túlio para sua mãe, e dela para Pablo.

 "Você ainda está com dor?" perguntou Pablo.

 "Não", respondeu Marcele, depois de um momento de silêncio, onde ela pareceu refletir no assunto. "Não sinto mais dor alguma".

 Túlio voltou a abraçar a mãe, enquanto Pablo ajudava Marcele a se levantar, e a abraçava também.

 "A cura foi espalhada e a salvação foi alcançada neste laboratório", disse a senhora Silva. "Agora, meus filhos", ela continuou, adicionando Pablo e Marcele à soma, "está na hora de a espalharmos pelo mundo".


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